Voltemos a elas. As ideias da troika entraram em Portugal pela porta do cavalo, por causa de uma conjugação muito infeliz de circunstâncias. Falemos apenas das internas. Em primeiro lugar, a opinião pública - incluindo redacções e jornalistas - que menos conhece economia carecia de um porto onde ancorar o desespero de ver uma economia a funcionar mal; em segundo lugar, o candidato a primeiro-ministro e depois primeiro-ministro que nada sabia de economia - nem de governação - precisava de uma ideia para vender; em terceiro lugar, toda uma geração de deserdados dos liceus da revolução precisavam de uma ideia para vingar o bullying ideológico a que foram sujeitos; finalmente, as pessoas que estavam verdadeiramente aflitas com o dinheiro - os donos e gestores dos bancos, com o BES à cabeça, e das empresas altamente endividadas, com a EDP na frente - precisavam de uma ideia que escondesse as suas dificuldades. Esta lista é necessariamente incompleta e somos livres de a discutir, alterar e melhorar. Mas é isto. Ora, esta conjugação dificilmente se repetirá. Todavia, as ideias da troika são antigas e andam por aí há muito tempo, à espera de oportunidade. Um dia, haverá a tentativa de regresso, que terá seguramente outra configuração. Estejamos, portanto, atentos. E recordemos apenas uma coisa dessas ideias, bem exemplar. É assim. Do FMI veio a grande ideia de salvar o euro que era a de substituir a desvalorização da moeda por "desvalorização interna" (menos salários) e "reformas estruturais" que dão mais flexibilidade. Cansados? Sim, também eu, mas é pelo cansaço que as coisas voltam. A ideia fazia sentido, como não se pode desvalorizar, é preciso (erro) que as economias sejam (erro) mais competitivas e flexíveis para se adaptarem a circunstâncias adversas. Um dos resultados dessa brilhante análise foi a lei das rendas. Ora, pensavam os nossos arautos, se a economia tem de ser mais flexível, as pessoas têm de mudar mais facilmente de sítio e por isso tem de haver um mercado" de arrendamento. Isto é vendido com modelos econométricos com duas ou três pequenitas variáveis, algumas simplesmente inventadas, e muitas observações de países por todo o mundo. E as rendas foram "liberalizadas", assim como tudo o que dissesse respeito a alugueres. Resultados? O que está à vista, nenhuns ou coisas piores, como o fecho de muitas lojas que não foram ainda substituídas. Mas havia outra coisa a acontecer. O turismo da Internet levou ao aumento da oferta de alugueres de curta duração, o que tem feito diminuir a oferta de casas para alugar para residência e, naturalmente, encarecido os preços. São estas coisas que os imaginativos modelos da troika e companhia jamais conseguem captar. No mundo civilizado, as coisas são feitas de outra forma. Como em Berlim, por exemplo, onde as rendas são altamente regulamentadas, no passado e no futuro. A terra de Merkel, ironia do destino, não é? E com ganhos para todos, pois a falta de regulação também não é boa para os investidores. Para que as ideias da troika não voltem, ajudará um pouco mais de cosmopolitismo, no governo, na opinião pública, nas redacções, no conhecimento económico. Não foram muitos os países da Europa em que as ideias da troika entraram com esta facilidade.
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