O discurso de ontem do Presidente da República foi acima de tudo extremamente provinciano e é esse o mote da direita mais à direita em Portugal, nos dias de hoje. Sá Carneiro, paz à sua alma, que foi seu chefe, podia estar a fazer algo parecido, ninguém sabe. Mas estaria a fazê-lo de forma aberta, falando para todos. Sempre dialogou com todos, mesmo no estilo de confronto que o caracterizava. Nos princípios, Ferreira Leite tem mais a ver com Jerónimo de Sousa do que com Marco António Costa. Mas a direita portuguesa que tomou o poder é isolada, vive isolada, e é por isso que tem tanta raiva aos "comunistas". E é só nela que Cavaco Silva se consegue agora apoiar. Vejamos bem. Que mal faria um governo de esquerda? Que mal pode fazer a quem não tem "tachos", a quem não depende do Estado para os negócios, a quem já se sente mal por estar com o dinheiro que tinha antes da crise, que vê pobreza e insegurança à sua volta, e os seus filhos a emigrar? Alguém acha mesmo que a NATO e o euro são problemas em cima da mesa? Toda a gente acha que não, excepto, claro, quem tem uma visão provinciana do Estado, aliado a quem beneficia dele. Todos têm o direito a não gostar da malta do Bloco de Esquerda ou do Partido Comunista Português, todos, mas em democracia, volta e meia, é preciso respirar fundo e esperar pelas próximas eleições. Esse lado provinciano - sem ofensa - de quem chegou ao poder e a Cavaco é há muito notório mas é difícil de mostrar. Até hoje. Veja-se a dura análise de um colunista do maior jornal conservador inglês, para quem o Rubicão foi pela primeira vez atravessado na zona euro: "Mr Cavaco Silva is effectively using his office to impose a reactionary ideological agenda, in the interests of creditors and the EMU establishment, and dressing it up with remarkable Chutzpah [vulgo, "lata"] as a defence of democracy. The Portuguese Socialists and Communists have buried the hatchet on their bitter divisions for the first time since the Carnation Revolution and the overthrow of the Salazar dictatorship in the 1970s, yet they are being denied their parliamentary prerogative to form a majority government. This is a dangerous demarche. The Portuguese conservatives and their media allies behave as if the Left has no legitimate right to take power, and must be held in check by any means. These reflexes are familiar – and chilling – to anybody familiar with 20th century Iberian history, or indeed Latin America." (sublinhados meus). O gesto de Cavaco Silva foi, esse sim, uma ameaça à zona euro.
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