O "ajustamento económico" mais famoso da história recente é seguramente o do Chile de Pinochet, que durou os longos anos entre 1973 e 1988. Embora qualquer comparação seja injusta, não para os governos democráticos que fizeram escolhas semelhantes, mas para aqueles que morreram ou sofreram naqueles anos, é importante que a memória do que aconteceu sirva de lição para os casos que se seguiram. A questão do grau é crucial e é preciso ter em conta a diferença abissal entre uma ditadura sangrenta e uma democracia avançada. Mas os pontos de contacto entre aquilo que Pinochet fez e os programas mais agressivos aplicados sob o chapéu da troika, em alguns países como Portugal, têm muitos pontos em comum. Por exemplo, a teoria económica subjacente, que tem o seu epicentro em ideias monetaristas extremas e no controlo implacável das economias "ajustadas". Ou os elogios à acção política de Margaret Thatcher, que recebeu Pinochet, já depois de tudo ter acontecido e de tudo se saber. Isto vem a
propósito de um filme (disponível no Youtube) sobre a história por trás da vitória do “Não” no referendo que Pinochet se viu obrigado a convocar, por pressão internacional, e que pôs um surpreendente fim ao seu terrível consulado. Durante o caminho para a campanha, depois de tantos anos sem acesso aos media e de tanta perseguição, os líderes da oposição queriam fazer as contas com o passado e recordar tudo e todos os que sofreram. Mas foi chamado um jovem e já reputado publicitário, inicialmente sem qualquer motivação política, que desde logo defendeu que uma campanha com base no passado seria perdedora, propondo uma campanha virada para o futuro e para a esperança. Viu, convenceu e venceu. Para piorar as coisas, na campanha governamental, Pinochet retratava-se como um democrata, que tinha virado a economia chilena para um futuro cheio de sucessos. Dificilmente se poderá saber quanto da vitória do "Não" se deveu a estratégia seguida, mas o que vemos neste filme, quase documentário, é que cresceu no Chile uma onda de optimismo sobre o futuro, contrária à onda de fazer contas com o passado. Os intelectuais, os historiadores, os economistas e quejandos terão de estudar e mostrar o que se passou, de recordar quem errou, fazer lembrar os detalhes, mas, ao que parece, as eleições não se ganham com a exploração dos erros do passado, com contas sobre o passado. Talvez o PS não tenha errado assim tanto com o cartaz sobre a "confiança", quem sabe? Se há uma lição a tirar deste filme sobre a distante mas semelhante experiência chilena de austeridade e de "ajustamento" económico extremos, é que queremos saber o que vai acontecer de bom a seguir. É isso que exigimos da oposição, das oposições. Já não basta sair da “caixa” da austeridade sem sentido. É mesmo preciso deitá-la fora e seguir em frente. O passado fica para a História e essa, sim, poderá e deverá ser tão exigente e dura quanto sempre deve ser.
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