A mais recente polémica em volta dos números do emprego e do desemprego será importante mas não é suficiente. A economia portuguesa está naturalmente a recuperar, depois de uma forte contracção de perto de 10%, desde o início da crise financeira. Essa recuperação decorrerá, em primeiro lugar, da ténue recuperação europeia e, em segundo, do facto de o Governo não ter implementado medidas de austeridade adicionais, desde há um ano ou algo mais. Este segundo ponto é menos complicado do que parece: a economia é um conceito dinâmico, refere-se ao que se produz cada ano, e o que conta é a austeridade que se acrescenta e não a que já está - aliás, "retirar" austeridade agora é o mesmo que dar um impulso à economia. Adiante. Ora, o que pode a oposição dizer, relativamente ao facto de as pessoas começarem a perceber que a economia vai crescer? E quem é que a oposição quer convencer? Nada disto é fácil mas o certo é que não bastará ir rebatendo tudo o que o Governo diz. E também já não basta criticar o passado. É preciso mais, falar do futuro. Qual poderá então ser a conversa? Eis uma tentativa. - "Nos últimos cinco anos, toda a Europa, e não só a zona euro, teve de enfrentar uma crise financeira, decorrente do crescimento excessivo do sector, que provocou desequilíbrios que tiveram de ser resolvidos com contenção económica. Muitos países seguiram esse caminho de forma quase sensata, mas países como Portugal ou a Grécia levaram a receita demasiadamente longe, implementando duras medidas de austeridade. E levaram essa política longe demais porque os governos em funções acreditavam que a austeridade não era um mal, mas um bem, por muito estranho que isso nos possa parecer hoje. O actual governo português ainda acredita. Graças à pressão da opinião pública e dos partidos da oposição, a ideia de que a austeridade era um bem foi, como sabemos, posta de lado. Mais ainda, no último ano e meio, por causa do Tribunal Constitucional, que defende um dos mais importantes legados da nossa democracia, o Governo foi impedido de aumentar a austeridade como mostrou que queria. Isso à margem da troika, que serviu de desculpa para muito mas que, obviamente, não impediu essa decisão soberana, imposta pelas pessoas ao Governo. A receita de contenção económica seguida um pouco por toda a Europa deu alguns frutos e esses frutos são também visíveis em Portugal. Há muito a criticar na Europa, mas dela não podemos esperar muito mais, por agora, pois há por lá ainda governos que gostam da austeridade, tal como o que actualmente ainda temos em Portugal. Só que é preciso tratar os frutos que começam a aparecer com muito cuidado, levando a cabo políticas que não os ponham em risco. Para tal, é preciso uma nova perspectiva, pois sabemos que quem está no poder não acredita nos mesmos frutos, e só espera uma nova oportunidade para regressar em força à austeridade. E precisamos de ter cuidado também porque os problemas fundamentais da economia portuguesa não se alteraram, tendo-se até agravado em certos aspectos. Por exemplo, quanto ao investimento, quanto ao consumo, quanto à forma como os rendimentos são distribuídos, ou quanto ao regresso do défice externo. Saber que a austeridade foi um mal necessário e não um bem é crucial para se conseguir melhorar o caminho futuro da economia. Teríamos feito diferente? Sim. E melhor? Seguramente. Note-se que elaborámos um programa com todas as contas, que obteve uma resposta nula do Governo. É um mito pensar que os economistas bons estão todos do lado do Governo. O país tem economistas bons para todas as ideias, para todos os princípios. Para mudar as políticas, é preciso mudar de políticos, em eleições." Tudo isto pode não fazer muito sentido ou fazer só mais ou menos. Mas é uma contribuição para se mudar o espírito do debate. Reconheça-se a necessidade da austeridade passada, afirme-se que ela foi um mal e nunca um bem, como muitos defenderam, conclua-se que a economia está a dar a volta, associe-se essa volta à Europa e à ilegalidade do nível de austeridade que o Governo queria impor, defenda-se que há bons economistas e técnicos para todos os lados da política, e argumente-se vivamente que é preciso mudar as pessoas para mudar as políticas. Será que isto ajuda?
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