Quem tem medo do legado de Vítor Constâncio, ministro socialista de um governo socialista? E de Ernâni Lopes, ministro centrista de um governo de coligação liderado por socialistas? Esta pergunta faz sentido, numa altura em que os ventos estão a mudar. Eles foram os ministros das Finanças que viraram as contas externas do país, no contexto de intervenções do FMI, e fizeram-no com reconhecido sucesso. Quantos ministros ou governos destes tem o PSD para a troca? Cavaco Silva, o paladino das finanças social-democratas, em 1980, sob Sá Carneiro, valorizou a moeda e aumentou abruptamente o défice externo, para ganhar eleições. E, depois dele, que feitos do PSD nas finanças ficaram na História? Alguns, seguramente, mas não é fácil dizer quais. Miguel Beleza, brilhante economista do MIT, mas com o coração em Chicago, fez o escudo partir para o euro sobrevalorizado - et pour cause -, apenas esperando que tudo corresse bem. Até a posterior entrada no euro foi feita sob um governo socialista e outro ministro com pergaminhos, Sousa Franco. Há uma mística em torno da capacidade financeira dos governos PSD que vem do facto deste partido ter mais amigos poderosos do que todos os outros juntos. Mas o legado do PS pode, deve e porventura está a ser resgatado. E o que é ele? Trata-se, no fundo, de ter as contas acertadas sem prejudicar ou melhorando a distribuição do rendimento. E isso é tão fácil quanto somar dois mais dois, ao contrário do que os perdedores dessa estratégia, a malta do dinheiro, faz passar nos vários canais de comunicação a que tem acesso. Há, de facto, dois modelos: um que diz que a desigualdade é boa para o crescimento; e outro que diz que ela é má, para o crescimento e para a sociedade. O modelo económico recentemente apresentado pelo PS mata vários coelhos de uma só cajadada. Simplesmente, colocou a oposição no tabuleiro do Governo: - Nós, dizem eles, também sabemos fazer modelos e modelos em que a pobreza não aumenta; nós também saberemos dialogar em Bruxelas, a terra das negociações em torno desses modelos, mais ou menos certos; e nós temos gente, como sempre tivemos, que sabe conduzir as Finanças. Mário Centeno, o cérebro por trás do modelo económico do PS, pertencerá a essa genealogia. Quanto ao modelo agora apresentado e às propostas adjacentes, que fique bem claro que o processo foi muito mais importante do que o resultado. E o processo foi, precisamente, o de resgatar o legado do PS, de Constâncio, a Teodora Cardoso, de Ernâni Lopes, por empréstimo, a, claro, Silva Lopes. O PSD tem para a troca, neste momento, apenas ineficazes aprendizes de liberalismo. Às vezes, ajuda mesmo pensar ao contrário da voz corrente, um exercício que muito se recomenda às redacções dos media e ao debate sobre as matérias financeiras lusas. A seguir, preocupemo-nos com as outras coisas da política e das finanças, como as da transparência e da legalidade dos negócios.
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