Para a Monarquia liberal, o Antigo Regime era a fonte de todos os males, para a República, a Monarquia e para o Estado Novo, a República. A Revolução criticou o Estado Novo e foi depois ela própria criticada. E Passos Coelho? Já tentou a preguiça, a Constituição, os "não-transaccionáveis", o "viver acima das possibilidades", mas tudo, ao que parece, feitas as contas, falhou. Ou está a falhar. Falta a crítica à "construção". E não está só, com tantos a dizer o mesmo nos media. Os mais enfáticos chegam a falar do TGV e do novo aeroporto, que não se construíram - mas podiam. O mal do país está no excesso de construção dos "últimos anos". E mesmo quem anda mais atento facilmente cai para o lado menos certo. Vejamos. Recentemente, uns técnicos do FMI acordaram para um problema velho (e tão velho neste blogue, que nem vale a pena recordar): Portugal tem poucos bens de capital por trabalhador. Coisa que é assim há anos, estrutural. Num artigo a relatar esse assunto, o autor, jornalista de mérito, conclui: "Um dos problemas, assinalam muitos economistas, foi não se ter conseguido aproveitar os níveis elevados de investimento do passado para fazer crescer de forma significativo o capital acumulado da economia. Culpa, em larga medida, de uma má alocação dos investimentos (muito centrados na construção, por exemplo)." Lá está, a construção, embora entre parêntesis, já que o caso era mesmo outro. E isto não morre, nem com números. Mas, apesar de tudo, para redobrar as atenções, vale a pena falar deles, que foram muito bem expostos num recente trabalho de bom jornalismo económico. E são estes, em tudo o que dizem, sem truques. Entre 1995 e 2010, o peso da construção no valor acrescentado do país, isto é, naquilo que o país acrescenta todos os anos ao que vinha do ano anterior, diminui de 6,5% para 5,8% (diminuindo depois, para 4%, durante o consulado de Passos). Ou seja, o peso já era pequeno e diminui, menos do que viria a diminuir, mas diminui. Já viram uma coisa tão pequena e a baixar a ser responsável por tanta coisa? Mas há mais. No emprego, o peso da construção diminuiu de 11,8%, em 2000, para 8,9%, em 2011 (e depois, claro, para 6,1%). Um divertimento seria dizer durante semanas a fio que o país está mal por causa da "Banca, seguros e imobiliário". Certo que isso nunca pegaria tão bem, embora fosse mais verdade, pelo menos nos números simples do trabalho acima citado, pois esse sector subiu, incluindo durante Passos. Se os problemas da economia portuguesa fossem as "verdades" repetidas pelo primeiro-ministro e seus companheiros de estrada, seria fácil fazer de Portugal a Alemanha. Mas não são. Concentremo-nos, finalmente, no essencial. Ou será pedir muito?
Comments