A política de austeridade extrema, levada a cabo nos últimos dois anos, foi da exclusiva responsabilidade do actual Governo, que aliás já prometeu continuá-la. A recente crise política mostrou, entre outras coisas, que esse extremismo era evitável, tendo representado uma pura opção governativa. O Governo teve a apoiá-lo pessoas com interesses políticos ou de negócios, mas também muitas pessoas que verdadeiramente acreditaram na ideia de que o país devia ser punido e redimido e que não havia alternativa. Pessoas bem-intencionadas que acreditaram numa explicação aparentemente plausível. Afinal, se se comparar uma economia nacional com uma economia doméstica, era aquilo que devia ser feito. Mas não era, e agora todos já sabem porquê: a austeridade extrema não funciona porque a poupança de uns é o rendimento de outros. Essa parte está resolvida, para quem quiser. Mas há uma segunda parte que ainda não está, e que se torna mais importante no momento em que o Governo se prepara para abdicar de mais de 300 milhões de euros por ano de receitas, para entregar às grandes empresas, a título de uma mudança no IRC. Trata-se da ideia de que é positivo para a economia e para o bem-estar das pessoas tirar aos menos abonados para dar aos mais abonados. Segundo essa ideia, essas transferências dão maior capacidade de investimento aos donos e gestores das maiores empresas. Os manuais de economia dos anos 1980 tinham quase sempre uma página que dizia isso e muitos acreditaram nela. Mas isso não se verificará. O Governo passou os últimos dois anos a fazer concessões a grandes empresas e bancos, mas o investimento colapsou à mesma. Com a baixa do IRC, as empresas vão aumentar os seus lucros, distribuir mais dividendos ou pura e simplesmente tapar buracos, e apenas investirão uma parte do dinheiro que encaixarem a mais. Um dos principais problemas da actual crise, em Portugal e noutras partes, não é não haver dinheiro suficiente para investir: é não haver consumidores com dinheiro suficiente para comprar. Espera-se que o PS reconheça isso e que aja em conformidade. Pode-se baixar o IRC se se baixarem também os impostos sobre particulares de menor rendimento ou se se aumentarem transferências sociais. Mas mesmo, não com enganos. Caso contrário, será mais um passo no segundo pilar da austeridade, o do benefício de alguns, e de boas intenções estamos todos fartos.
PS: Recorde-se este lirismo governativo do passado recente.
PS2: Folgo em saber que Silva Lopes é liminarmente contra a mudança do IRC, que comparou ao caso da TSU.
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