O actual governo diz-se inimigo de José Sócrates e do que ele representa. Todavia, Sócrates e os seus amigos podem agradecer a Passos Coelho por lhes estar a preparar tão bem o terreno para o regresso do socialismo encartado. Às vezes parece que só os países mais desenvolvidos têm história política e que a portuguesa se resume à história de grandes regimes, o liberal, o republicano, o salazarista, o democrático. Mas não é bem assim. Há muito mais. Também por cá há tradição de confronto chão entre interesses políticos diferentes. Aliás, esse confronto é às vezes mais exacerbado do que devia. Então ganhemos balanço, porque ajuda a encontrar o sentido. O liberalismo do século XIX não foi sempre a mesma coisa. Começou com um entendimento, um acordo de regime, muito importante à altura, para sarar as feridas de sucessivas guerras fratricidas. Depois o sistema político foi resvalando para a direita, não apenas por causa de Fontes Pereira de Melo, mas porque a ordem internacional a isso ajudou. Em 1886 tudo mudou. Subiu ao poder um governo do principal partido da oposição, à esquerda, e tudo o que existia no remanso do Estado mudou de lugar. Ou quase tudo. O resultado foi, mais ou menos, a crise de 1891 e, no ano seguinte, mais uma vitória da esquerda. A partir de então voltaram as lutas mais acesas entre facções políticas, que culminaram com o golpe de estado da República, que confirmou a esquerda no poder. A seguir veio o contragolpe, do Estado Novo, ficando a direita com o poder durante as décadas que sabemos. Em 1974 mudaram-se outra vez os pratos da balança e desde então a esquerda tem saído vencedora, com pequenos interregnos que, mais ou menos, culminariam em Sócrates. Este ainda tentou mostrar laivos de direita, mas não conseguiu. Chega, diz este governo. Agora chega que queremos voltar a mandar e para sempre. Essa posição é perigosa e injustificada e sobretudo indigna de uma direita ordeira e concretizadora. Do que precisamos menos agora é de vingança, do regresso da história. Do que precisamos é de uma direita civilizada que nos coloque pelas suas mãos mais perto da Europa. O resto são conversas. Incluindo todas estas conversas sobre défices, responsabilidades, equilíbrios, culpas que, como todos sabemos muito bem, são falácias. E, infelizmente, falácias das boas, porque baseadas em bocadinhos de realidade.
Hoje no i.
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