O livro de que aqui falei no último post tem um capítulo sobre a actual situação da economia internacional da autoria de Nuno Teles e João Rodrigues. Esse capítulo é de grande qualidade mas mostra que há um perigo latente relativamente à avaliação que a opinião pública pode ter sobre a globalização. Há pessoas que não estão tranquilas com o facto de o mundo ser mais aberto hoje – em todos os sentidos –,relativamente ao que era há 20 ou 30 anos e nota-se um crescendo de opiniões desfavoráveis à livre troca internacional. Ainda por cima há quem associe apressadamente os problemas de menor crescimento em algumas partes do mundo a essa maior globalização. Isso acontece pelo menos por cá. Lá fora a coisa está um pouco melhor, como se pode ver pelo gradual esbatimento – pelo menos parece ser essa a tendência mas não sabemos o que se passará – das manifestações à la Seattle. Não que isso seja necessariamente bom, pois de Seattle vieram muitos ensinamentos e houve muitas mensagens acolhidas pelos mandantes internacionais. O livro em causa tem de ser comprado e cada vez há menos desculpas para o não fazermos e seria bom que as pessoas – sobretudo aqui na blogosfera – não se esquecessem que as opiniões têm de ser formadas também com leituras. A tecnologia deixa que essa compra seja muito fácil. Por isso não vou aqui dizer a fundo o que o capitulo em causa contém. Mas posso talvez avançar que o capítulo em causa, intitulado "Globalização e utopia de mercado. O vício 'ricardiano' à prova da história", propõe uma leitura da história em que a globalização aparece algumas vezes como sendo má para alguns. Lembram os autores, por exemplo, que houve países que se industrializaram bem e rapidamente partindo de alguma protecção alfandegária. Isso foi particularmente importante, argumentam, no caso das indústrias nascentes. E citam autores do século XIX que comprovariam essa ideia. Essa interpretação tem pergaminhos, e em Portugal e na América Latina ela fez grande sucesso, sobretudo nos anos 1970 e 1980. Esse sucesso foi interrompido por Margareth Thatcher, Ronald Reagan, François Miterrand – sim também ele, entres outros líderes europeus -, que a partir de início dos anos 1980 agiram no sentido de contrariar os juízos anti-globalização, contribuindo para uma maior abertura da economia internacional. Com isso chegámos onde chegámos hoje e agora até parece que foi tudo mal. A história económica pode mostrar casos de sucesso em períodos de retracção da economia internacional ou em momentos de escolha de políticas proteccionistas. Nem sempre a existência simultânea de retracção nacional perante a globalização e crescimento económico significa, todavia, que as duas coisas estão ligadas causalmente. Por exemplo, a industrialização alemã do último quartel do século XIX pouco tem a ver com proteccionismo. Todavia, a verdade é que por vezes a contracção da economia internacional ajudou alguns países a crescer um pouco mais. Foi isso que aconteceu, segundo pude concluir, no México e em Portugal no período de entre as guerras. Nesses anos, estes dois países, que tinham muito em comum em matéria económica nessa altura, ergueram fortes barreiras alfandegárias ao comércio internacional, acompanhando a moda que então se seguia. Acontece que as economias dos dois países reagiram positivamente a esse estímulo. Esta conclusão não serve para dizer que menos globalização pode ser bom. Quem quiser pode ver bem isso, talvez lendo o trabalho em que cheguei a essas conclusões e que está aqui ao lado. Quando há globalização e se acaba com ela, é mais fácil obter ganhos. Os mercados nacionais estão criados e há importações a substituir. O pior é quando isso acaba. Portugal (o México menos) foi salvo da autarcia que trouxe crescimento em alguns anos da República e dos primórdios do Estado Novo (sim, na República houve bom crescimento) pela abertura ao exterior a seguir a 1948, isto é, à adesão à OECD e tudo o que se seguiu. Nessa altura a galinha dos ovos de ouro foi salva a tempo.
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